quinta-feira, 11 de setembro de 2014

PARAÍSO TROPICAL 2

E foi assim mesmo que ele me contou no dia em que apareceu pela primeira vez. Tinha 40 anos, aparentava mais. Era um dia normal de trabalho, havia muitas pessoas na sala de espera. Ele cheirava a álcool e era tímido. Estranhei, porque o álcool costuma deixar as pessoas valentes, mas tinha qualquer coisa dentro dele, um medo demoníaco. Ele explicou que ela tinha ficado lá fora, então ofereci a cadeira, mas ele recusou. Disse que queria se livrar da pinga, que tinha família.
Eu disse que ele ia ter que voltar outro dia, mas ele não se moveu. Então senta. Insisti. E ele aceitou. Sabia que estávamos a sós e contou essa história que eu acabo de contar pro senhor. Não acreditei na história da banana, ele devia ser um menino e tinha também a parte do fumo, mas a hora estava adiantada e eu o convidei para a próxima sessão. Quarta à noite, repeti, e ele acenou com a cabeça, pegou o chapéu e saiu.

Sofía ficou no mar e nós desembarcamos. Agora éramos seis. Estávamos piolhentos quando entramos no trem. No cais, a mesma confusão e muitas bananas, lembro que sorri. Agruparam-nos por nacionalidade e mandaram aguardar. O navio tinha feito várias escalas. Tinha muitos negros no cais. Eu nunca tinha visto nenhum. Fomos andando até um casarão. Meu pai sumiu novamente e voltou com uns papéis: Esta noite vamos passar aqui. Eu não entendia nada do que era dito. No Brasil a língua era completamente diferente. Preferia ter ficado na Holanda. Dormimos amontoados como sempre e no outro dia, após o café que odiei, fomos em fila indiana feito gado até a estação de trem e como gados transportados até outro casarão, só que bem maior. Lá tinha médico, mas era tarde demais para a Sofía e tinha remédio para piolho também, arroz, feijão e banho, após um mês. Não esperamos muito, pegamos outro trem, dessa vez direto para a fazenda de café, aquele liquido horrível com o qual depois me acostumei, era aquilo que íamos plantar e eu senti saudades das batatas e das bananas. Jornada das cinco as quatro, seis dias por semana, eu, o pai André e Lúcia. A mãe cuidava da Catarina, cozinhava, levava comida na roça, lavava roupa, cultivava a horta quase imaginária e construía um galinheiro sem galinhas, pensando no futuro enquanto eu tentava não pensar em nada. Tinha aprendido a dar bom dia, mas o resto era bem difícil. Eu me esforçava. Aprendi a perguntar quanto custava no armazém e isso me deu a responsabilidade de fazer compras e aprendi a xingar também, mas só xingava em pensamento. A compra só podia ser feita lá. O capataz tinha explicado. Nossa casa era um galpão dividido. A antiga senzala, lugar onde moravam os negros, me explicavam, e eu estranhava, a água era do rio e a luz de lampião.
Passou o mês e o pai voltou calado. O dinheiro não dava nem para um caldo e a mãe queria comprar semente e pintinho e pano para costurar para aquele bando de gente remendada. A mãe chorou, nunca tinha chorado e o pai me bateu: O que você andou comprando no armazém? E eu não tinha comprado nada além do que a mãe tinha encomendado: Nada, falei baixinho e o pai saiu. Quando voltou estava mais sossegado. A gente tá sendo roubado. Falou. Minha mãe se trancou no quarto.
Então porque a gente não parte? Quis falar, e sonhei que a gente tava indo embora, montado numa carroça, para ir viver na cidade, lá tinha fonte e fruta e aqui só não tinha a geada, mas dava na mesma. Os meses passaram e nada de pintinho nem de pano, só arroz, feijão, café, batata e repolho, ovo só no domingo e às vezes, um tomate teimoso como a gente que a mãe tinha plantado e vingava.

Os meses passaram e meu pai sempre saía à noite. Um dia me acordaram a uma da madrugada e nossas coisas estavam amontoadas, cabia tudo em três trouxas. Longe da porteira uma carroça esperava e a família do Lituano João que tinha se acostumado a pinga e ao apelido também estava lá. Montamos e partimos. Fugimos, eu acho, mas meu pai, que tinha virado Antônio e não gostava, como sempre, não disse nada.

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