quinta-feira, 28 de novembro de 2013


EU
Sou do mês de janeiro

a morte me habita

nasci da tempestade

começo pelo fim
 

Eu sou filha de Saturno

e lavo as impurezas lilases

das carnes lubrificadas

que restam pelo caminho

Eu sou filha do tempo

carrego um escudo por dentro

atravesso insensível os campos

germino em corpos noturnos.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Fotografia de Cartier Bresson.


LEMBRANÇA
                              
Que magia é essa que emudece meu espanto
e arremessa minha razão de Centauro
contra as raízes caladas
 das sapatilhas da infância.
No seu avesso me reconheço:
Eu fui uma criança dolorida.


segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Ismael Nery.



 Retrato

 

            Meu eu, que cisma sentado, esperando o trem, o auto na garagem, o retrato na mesa, o copo no chão, o celular na gaveta, o bom senso em qualquer lugar.

            Meu eu, do cão que late e morde ou do gato que acaricia e escapa, do riso zombeteiro, porque os bichos não choram.

            Meu eu, entre livros e sites, entre sapos e homens, entre diásporas e sonetos, entre a cidade e o gueto.

            Meu eu, histórico e retórico, pragmático e feiticeiro, escondido entre o culto ancestral e o futuro incerto.

            Meu eu, que se alterna, entre ressacas e insônias, cafés e cigarros, o fim do mundo e o fim do mês.

            Meu eu, que entre o sonho e o sofrimento inventado, canta no chuveiro (como todo mundo) mesmo que meu outro eu não goste.

            Meu eu, que insiste em passar do erudito ao kitsch, sem a menor explicação.

            Meu eu, que já amou, cafajestes e bichas, e que, por isso mesmo, insiste no fato verídico de que nunca amou ninguém.

            Meu eu, que não crê nos textos redondos, nas frases feitas, nas bocas tortas das senhoras católicas que recitam Shakespeare como uma oração.

Meu eu, que não aceita pronomes de tratamento, apesar da verdade dos espelhos e da cordialidade aparente das empregadas de balcão.

Meu eu que entra figura adentro, onde zumbe o inseto e a palavra se dilui.

            Meu eu, lunar e lunático que reina soberano no jardim da lua cheia, situado entre um subúrbio que já foi operário e as ruínas do muro Pós-Berlim.