terça-feira, 14 de outubro de 2014

Sete Pecados - Poema em Construção

Sete Pecados sem exercício

Bosch - O Jardim das Delícias.

Canto I – A Gula

Afogada 
na imobilidade do pecado
 tateio com a ponta dos dedos
seus ossos escondidos
E nesse mergulho me sento
sobre a moldura de mil homens
que se hostilizam no paraíso
e por causa da primavera 
eu raspo meus pelos pubianos
como se raspasse meus delírios
e aumento o fascínio do banquete
 sujeitando seu rígido membro
 a um rigoroso regime
            e  no fim da Estação
          arranco sua língua morta
        de dentro dos meus Eclipses.

Canto 2 – A Avareza

E por que haveria eu de querer sua alma na minha cama?
se tenho seu membro sujeito ao meu fixo calendário
e às cruéis temporadas de abril. 
Pode economizar seu ralo sêmen de esfinge 
que eu economizo minhas palavras gentis
e quando você menos esperar
lhe possuo sem um pingo de febre
como uma cadela possui um macho
cegado pelas trevas do cio.


Canto 3 – A Luxúria

Porque dentro da minha buceta
tudo é faca e arremesso
 eu me arrisco
e espio no espelho
o movimento dos seus quadris
e te sinto escorrer lânguido
sobre minha pele seca
após seu líquido impuro
 ter sido derramado
como o óleo de um navio
E peço que me sufoque de novo
 nesse nosso jogo adâmico
 onde eu faço papel de Ofélia
e me afogo dentro de mim.



Sete Pecados


Sete Pecados sem exercício

Canto I – A Gula

Afogada na imobilidade do pecado
persigo com a ponta dos dedos
seus ossos escondidos
E nesse mergulho me sento
sobre a sombra de mil homens
que se hostilizam no paraíso.
E raspo meus pelos pubianos
como se raspasse meus delírios
e aumento o fascínio do banquete
arrancando da língua de Adão
poemas, luas e um eclipse.

Canto 2 – A Avareza

E porque haveria eu de querer sua alma na minha cama?
se tenho seu membro
sujeito ao meu rígido calendário
e às secas temporadas de abril.
Pode economizar seu indócil sêmen
que eu economizo minhas palavras gentis
e te possuo sem um pingo de febre
como uma cadela possui um macho

nas trevas do cio.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Batismo

Fotografia de E. Weston

Batismo

Com o sêmen do passado
eu resgato
nossos órgãos divididos
entre a Chuva e o Cerrado
e me banho de novo
na incomunicabilidade
de uma tarde esguia.
E deixo que me atinja
com sua saliva lasciva
e que tinja minha vulva
com um vermelho marfim
E para enxugar os pecados
do meu dolorido corpo
 permito que você seja parido
no mais fundo de mim
 e te batizo de novo
e proclamo o fim dos sonhos
e te conto
 que se o mundo não fosse tão líquido
nós não seríamos assim.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014


TINA
Parte I
               
                Fui praticamente chutado para frente de uma moça de óculos que, sem levantar a cabeça, me fez rapidamente as perguntas de praxe: nome, idade e profissão, mas na terceira  me embaralhei e declarei que era palhaço. Ato impensado que, além de eliminar aquela que, nas atuais circunstâncias, tinha se tornado a pergunta mais importante, me condenaria, com certeza, aos piores trabalhos e acomodações.
                Preocupado, não vacilei e ergui de modo instintivo e brusco a criança maltrapilha que estava ao meu lado declarando que éramos dois, e quando a moça perguntou se era minha filha, eu disse que sim, e antes que ela tivesse tempo de elaborar qualquer outro tipo de questionamento a respeito daquela criança loira e inquieta me apressei em explicar que minha mulher estava agora na companhia do bom Deus e, sem saber se tinha sido salvo pela criança ou pelo nome do Senhor, fui encaminhado ao Departamento de Caridade.
                O fato é que os circos haviam sido proibidos, e eu, pela primeira vez na vida, ficado desempregado, mas mesmo após ter perdido tudo, não me desesperei, juntei minhas poucas coisas e me mudei para um recanto distante, uma vala que se formava sob um viaduto abandonado e escuro com a intenção de me esconder do mundo enquanto decidia o que fazer, mas meu sossego durou pouco, logo me encontraram e após um breve alvoroço me encaminharam, junto com uma menina cabisbaixa que havia me seguido, ao Centro Comunitário. Pelo visto o novo governo não queria saber de gente desocupada perambulando pela cidade e incentivava seus membros fiéis a prenderem e, se necessário, até a matarem essa gente teimosa que se negava a aceitar a felicidade que estava reservada para cada um de nós.
                No Centro, graças a um resquício de humanidade que havia restado na funcionária magricela e que parecia estar refletido na lente dos seus óculos sujos, para morrer em seguida nos seus lábios mudos, pudemos tomar um banho, coisa rara, pois já fazia alguns anos que a água estava racionada. Um Senhor de idade que tomava banho no Box contíguo ao meu se distraiu e começou a cantar uma espécie de tango, mas logo tomou uma coronhada e o silêncio voltou a dominar o local. Só eram permitidos Hinos.
 Após o banho e com a promessa de uma refeição decente, me fizeram assinar uma série de documentos e papeis inúteis com a finalidade de nos classificarem para fins administrativos.  Inventei tudo, nomes, antigo endereço, histórico médico, grau de escolaridade e datas de aniversário e só depois disso, com o desdém com que tratavam os vagabundos, nos entregaram um pão com manteiga e uma caneca de leite e nos encaminharam para um dormitório coletivo com a promessa de que amanhã eu não escaparia do meu Glorian Day.
                Acordamos cedo e fomos novamente encaminhados para uma fila. Alice foi matriculada na escola e eu fui trabalhar temporariamente como auxiliar de enfermagem no asilo da cidade. Depois do fracasso da entrevista decidi inventar um curso de técnico de enfermagem e os organizadores decidiram me dar uma chance, apesar de eu ter declarado que não tinha nenhuma experiência na área. O agente explicou que o prazo máximo de permanência no Centro era de sessenta dias. Depois disso, eu deveria alugar um quarto e partir. Se necessário, eles me ajudariam. O único objetivo deles era me fazer uma pessoa feliz. Estava tudo no longo regulamento que me entregaram e que eu não li. Eles serviam café da manhã e janta e também ofereciam cursos rápidos de profissionalização e alguns cursos noturnos que tinham como objetivo a elevação do espírito (era assim mesmo que estava escrito) e a participação em pelo menos um deles, era obrigatória.
                Descobri que estavam sendo oferecidos três cursos: Poesia, Teatro e Introdução à Filosofia. Segundo os folders os objetivos eram comuns: Tentar recuperar as almas indóceis através de um processo paulatino de socialização em busca da alegria e com a certeza de que todos eram abomináveis, (já que nada disso me interessava), decidi me inscrever no curso de poesia e no primeiro dia de aula descobri que eu tinha razão: A poesia era apenas uma desculpa para a instauração de um verdadeiro muro das lamentações. Eles escreviam pouco e o verso livre era proibido. A rotina se resumia em ouvir as histórias de vida dos participantes, nos moldes dos alcoólicos anônimos e, ao final da sessão, escutar um soneto de gosto duvidoso que o orientador lia de acordo com o tema escolhido para a noite. O lado perverso disso tudo era que, aparentemente, os temas podiam ser escolhidos livremente pelos participantes, mas, por alguma razão, semana após semana, o tema do amor bucólico se repetia e todos pareciam satisfeitos.
                Não demorou muito e logo notei que só havia gente solitária como eu no curso. Provavelmente o resto do mundo estava feliz celebrando a vida com suas famílias nos shoppings que eram, agora, o único lugar recomendável e seguro para se divertir.  Entre os participantes, todos muito tristes, uma mulher chamou minha atenção, não porque fosse bonita, mas porque era a única que, como eu, se dava a dignidade de ficar calada e, em um dia de chuva, tomei coragem e a convidei para sair.
                Ela aceitou e fomos até a cozinha tomar um café frio. Não era exatamente um passeio romântico, mas a falta de dinheiro nos deixava sem opção. A voz dela era agradável e seu cabelo, assim como seus dentes, perfeito. Além disso, ela tinha uma bela bunda e para mim isso bastava. Seu nome era Tina e ela trabalhava como recepcionista em uma agência de publicidade. Ela tinha feito uma dessas faculdades populares e descoberto, mais tarde, que seu diploma não valia nada. Havia uma verdadeira máfia de cursos, ditos superiores, instaurada no país. Tina era uma mulher solteira de 30 anos que, após ter estudado a vida inteira na escola pública, se equilibrando entre os subempregos que era obrigada a aturar e uma educação de quinta categoria, tinha sido convencida a fazer um curso de Administração de Empresas.
                Antes disso, Tina tinha sido uma cabeleireira independente, mas esse ramo havia sido dominado por uma associação comercial que, através de distintas estratégias, incitava todos a andarem extremamente arrumados, (mesmo que passassem fome para isso). Entre vários recursos, como a absurda proibição de se fazerem unhas em casa, eles disseminavam intrigas entre seus membros incentivando-os a fazerem comentários maldosos acerca da aparência das pessoas durante as reuniões que passaram a ser obrigatórias para todos que desejassem ser deixados em paz, e foi por causa disso que ela foi parar ali. Ela ficou desempregada e acabou sendo despejada do quarto e cozinha que tinha alugado na periferia.
                A vida era um tédio e a única coisa que eu e Tina podíamos fazer juntos era frequentarmos o curso de poesia e as reuniões de domingo enquanto a menina, que sempre nos acompanhava, passava seu tempo sendo adestrada pelas educadoras infantis. Alice logo gostou de Tina e a possibilidade de formarmos uma família agradou os líderes da organização que passaram a nos conceder alguns pequenos privilégios, como entregar uma fatia extra de pão para a menina, por exemplo, entre outras miudezas que engrandeciam mais os espíritos deles do que os nossos estômagos. Chegaram até a me presentear com a imagem de um cristo negro e com uma coletânea de poemas do Castro Alves, e eu logo tratei de pendurar a imagem na cabeceira da minha cama.
                Nas reuniões do Centro não havia tanta fofoca, já que lá todo mundo era pobre e, por essa razão, ela era uma das mais frequentadas da cidade, inclusive por gente que já havia deixado o local fazia tempo e que para poder continuar a frequentá-lo, alegava ter se afeiçoado ao pastor, um velho encardido e senil que nunca se lembrava de nada, se esquecendo, às vezes, de comparecer às suas próprias reuniões, principalmente as de domingo, fato abertamente lamentado por todos.
                Ninguém sabia explicar como as coisas haviam chegado a esse ponto, mas os poucos que não haviam sido engolidos pelo sistema e que tentavam manifestar algum tipo de resistência, (os que conseguiam sobreviver escondidos), tinham desenvolvido uma teoria que chamavam de “Teoria do Emburrecimento Paulatino” e juravam de pés juntos que o país havia sido vítima de uma conspiração iniciada há muitos anos dentro do sistema educacional.
                Eu sabia de tudo isso porque inconformado com o fim do circo e com a proibição da cerveja, que agora tinha ficado, (assim como todos os outros prazeres), restrita aos ricos que podiam comprá-la no mercado negro, tinha me juntado a um pequeno grupo de resistência para o qual Tina me apresentou (ela era viciada em tabaco e eu neto de um anarquista que, segundo meu pai, tinha acabado com a nossa família com sua mania de livros).
Eu queria me informar e ler mais, mas era tão cruel a jornada de trabalho que me era imposta, primeiro pelo meu pai e agora pelo asilo, que se tornava impossível desenvolver qualquer pensamento mais complexo a respeito da realidade, eu chegava exausto e após ter passado o dia inteiro dividido - entre a lembrança do odor dos bichos enjaulados, dos quais eu havia cuidado no passado, e a imagem esverdeada dos velhos desmemoriados dos quais eu trocava as fraldas no presente e que representavam meu futuro - no final do dia eu só conseguia me entregar à fantasia das novelas e à masturbação solitária ao lado do Navio Negreiro, e quando chegou meu dia de ir embora, com medo de ser totalmente absorvido pelo sistema, já que a tendência das coisas era piorar, eu deixei a menina com a Tina e caminhei em direção à ponte com o objetivo de deixar claro que, apesar de todos os esforços, eles não tinham conseguido me obrigar a ser uma pessoa feliz.