terça-feira, 27 de agosto de 2013

Pinturas - Pollock


Entre meus pelos fluídos

refazer um silêncio desenhado

por seus dedos entranhados

na minha vulva noturna

 
 

         Escutar de dentro de um autorretrato

o grito assustado

de um fantasma que me espia

 

Esboçar com cimento armado

o perfil de um homem alado

que ao pousar na terra

vire barro

e me possua

terça-feira, 20 de agosto de 2013


 
 
 
 
DROMEDÁRIO

Para Caio Fernando Abreu.

                Sento no sofá e sinto uma pontada. Imagino que meu coração foi trocado por um ovo apunhalado, mas não recordo exatamente o momento da ocorrência.  Por isso desisto de dar queixa.  O Jeito é conviver com a faca que me cravaram no peito quando estava distraída. Deixar de beber, de fumar, sei lá, qualquer coisa que prolongue a vida, que aumente o ar. Na televisão houve mais um assassinato e o bandido fugiu.  Presto atenção, não é um assassinato comum, é uma chacina, mas ninguém liga para chacinas. Há um suspeito: mostram a foto. Leve semelhança com alguém que conheci. Será o bandido da faca? Não, não é possível. Assassinos profissionais não estilhaçam corações solitários, isso não dá dinheiro e é preciso técnica para fazer o transplante.

                Tento levantar, mas tenho uma protuberância no peito que me impede os movimentos, já desisti da polícia, todos desistiram, só as sirenes são incansáveis.  Imagino que se ficasse sentada ali a noite inteira talvez colocasse o ovo para  fora de alguma forma. É preciso chocar a dor. Não somos melhores que as galinhas. Alguém poderia telefonar e eu pediria ajuda. Tento alcançar o telefone em vão. Toda tentativa é inútil enquanto o ovo não sair. Penso na faca, atravessará meu esôfago ou meu ânus, e o que fizeram com meu coração? Deram aos homens? Aos Porcos?

                Passo a mão nas orelhas e percebo que estou sem brincos, não lembro de tê-los tirado, sinto frio e percebo que estou nua, tenho, além dos seios, outra pequena protuberância na barriga, acho engraçado: três montes vistos de cima, quatro com o caroço no seio esquerdo. Imagino um dromedário invertido e bem dotado, com quatro corcovas na minha barriga. Faz tempo que não me depilo. Tenho caroços na pele, pequeninos, sempre tive, mas fazia tempo que não os observava.  Pioraram com o tempo. Lamento os caroços e a falta de pêlos do dromedário, pois os pêlos só cobrem a região do Púbis e sinto frio. Recordo do passeio no Jardim Zoológico quando era criança. Ríamos do bafo dos camelos, não lembro a diferença exata entre um camelo e um dromedário e entro em crise de identidade. Tento imaginar outro bicho, mas não consigo, volto à galinha, não tomei banho e o cheiro é insuportável.

                Após o noticiário vem a novela e nenhuma mocinha parece um dromedário, concluo que não sou mais uma mocinha. Na novela todos estão felizes, ninguém teve o coração trocado por um ovo apunhalado enquanto atravessava uma avenida ou vagava numa praia, concluo que as novelas não são verossímeis.

                Propaganda de Campanha contra câncer no seio. O ovo pode sair com uma cirurgia, tenho dúvidas se continuarei viva após uma simples operação e por isso acendo outro cigarro despreocupada com a possibilidade de câncer no pulmão. O chão está imundo e a gata mia desesperada. Penso que alguém vai entrar e me tirar desse marasmo. Brinco com a morte. Na minha vida só restaram fantasmas e eles não virão me socorrer e se viessem seria estranho pois não consigo me mexer. Ficaria apática, o terror sobre as pupilas e só compreenderia quem olhasse nos meus olhos. Imagino que nesse momento alguém poderia aparecer e trazer um espelho, sempre quis ver a morte de perto. É uma atitude fria e calculista, me diz a mocinha da novela que de dromedário não tem nada, e pelo visto decidiu  me dar lição de moral (fantástico!). É fácil dizer isso quando não se é um dromedário com quatro corcovas entre os seios e a barriga, um punhado de pêlos na vagina e um ovo apunhalado no lugar do coração, respondo indignada e decido ignorar a TV.

                Tenho sede e penso em me arrastar até a cozinha, mudar de ambiente. A gata está desesperada, o chão imundo e continuo nua. Peso os prós e os contras. É preciso ter calma para morrer. Lamento não ser um dromedário, pois não teria esse problema, meu peito já é um deserto e a adaptação seria mais fácil. O trajeto é curto, mas tenho medo de deixar o ninho e matar a dor. É preciso chocar a dor, repito para mim mesma. O sofá é vermelho e se eu menstruar ninguém vai perceber. Lembro que isso é impossível agora. Vou publicar um anúncio nos Achados e Perdidos quando sair daqui:

                “Troca-se um ovo apunhalado por um coração novo”.

                A gata mia de novo e decido não levá-la comigo para a tumba, não sou Faraó. Seguro nas paredes e alcanço a cozinha. Piso em bitucas de cigarro. Encho um copo, bebo, encho outro, coloco no chão. Sento, meu pé está da cor da gata. Sinto ânsia de vômito. Inclino a cabeça. Fico feliz.

 

Do livro: Crônicas de Uma Tara Gentil. Vanessa Molnar.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013




Para Hilda Hilst

 

Mulher

Quando vai aprender que seu sexo é Terra?

Encosta o ouvido em seu  ventre de Ariadne

e escuta

a ausência do tempo febril

que perfura seu labirinto fechado

o eco

que rasga o vazio dos teus ossos

o silêncio

desse Dionísio que te fecunda.