RAYUELA
Eu te via surgindo rapidamente de dentro das minhas vísceras
Suas unhas plúmbeas escondidas entre as algas vermelhas dos meus
cabelos
e um hálito de hortelã evaporando com o vapor barato dos
azulejos
Noite de ventres alaranjados escorrendo entre meus dedos úmidos
Seu sexo estendido roxo como uma fruta madura na palma das
minhas mãos.
Estações alternadas entre dias e noites cada vez mais
quentes.
Um silêncio ventando manso pelo casaco roto pendurado no
varal.
E eu te achava lindo fantasiado de marinheiro no carnaval de
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listras azuis recortadas sobre um pedaço do mar encardido no
tempo
tatuagens coloridas desenhadas sobre a pele morena dos
nossos hematomas
suas mãos de pássaro desfazendo os nós apertados entre a fumaça dos meus pelos.
E nós saíamos desesperados pelas veredas e vielas do esquecimento
Onde Ofélias, Emílias e Diadorins seguiam vagarosas os
passos dos nossos beijos
Escrevíamos poemas e brindávamos loucos em parques noturnos
com estátuas lentas
Embriagados tirávamos
nossos coturnos e desdobrávamos nossos sonhos
em dedos deslocados com agilidade pela penugem
dos meus seios.
Tempo das estrelas de onde a noite se precipita
Seu corpo retirado do tempo de dentro da minha lembrança
A valsa lenta dos corpos ressurgidos na cópula das nossas
danças
Sua imagem de anjo negro guardada na memória de um
guardanapo escuro.