terça-feira, 28 de maio de 2013

Quinta Feira de Cinzas

 
Você sempre disse que o bom poeta era redondo, embora andasse quadrado, a tombar desajeitado pelos bares, com medo de quebrar os ossos, os copos ou os óculos que usava sem necessidade. Nunca acreditei que fosse morrer de Cirrose, nem mesmo quando éramos jovens e transávamos escondidos nos banheiros dos bares de São Paulo após várias garrafas de vinho. Achava, no máximo, que talvez você pudesse ser atropelado por algum motorista inexperiente, mas que sobreviveria e com seus dentes brancos e debochados me aguardaria em coma na cama de algum hospital público. Eu te visitaria, mas não te levaria nada, apenas arrancaria suas roupas e me deitaria ao lado do seu silêncio até que alguma enfermeira puritana notasse minha presença e me expulsasse aos berros, o que poderia demorar dias, meses ou anos.
 
Depois disso você acordaria e eu te acharia perdido em alguma cidadezinha do interior, a caçar bruxas pelos bares, enquanto seus textos eram exibidos no teatro local em corpos de jovens atores que eu despiria lentamente (todos) antes de partir ao seu encalço: Seu corpo flácido (pelo desuso) e sem tatuagens/ perdido em algum puteiro/eu me aproximaria com cuidado para que não me reconhecesse/seu membro rijo no meio do meu devaneio, o gozo em troca de dinheiro.
 
Após alguns meses, nos encontraríamos em um barco de borracha em meio a uma enchente, como em um livro de Hemingway (você já recuperado). Reconhecer-nos-íamos, embora, talvez, você tivesse cortado os cabelos e a barba, mas fingiríamos que não, (ignoraríamos as cicatrizes que eu poderia trazer nos pulsos nessa ocasião) e nos divertiríamos fazendo leituras de nossos poemas para dondocas que, deslumbradas, tentariam nos apertar contra seus peitos carentes, dos quais fugiríamos assim que as águas baixassem, para não morrermos sufocados por tanta solidão.
 
E no carnaval seguinte você sairia fantasiado em um grande bloco (contrariando todos os seus princípios) com um pequeno tapa sexo entre as pernas e uma máscara antiga na mão e ajoelhado diante das nádegas de uma jovem Medeia, gritaria palavras apaixonadas que se dissipariam com jatos de esperma, no meio da multidão e só eu te compreenderia e só eu te escutaria e só eu lhe pediria perdão e você me ignoraria e seguiria triunfante fora desse caixão.

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