quarta-feira, 29 de maio de 2013

Estações


Fotografia de Edward Weston.
 
Não sei como dizer-te que cem ideias dentro de mim, te procuram.
Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada.
Procurei o Deus-Menino nas lembranças embaraçadas do meu coração incinerado de vampira solar, revoltada com a permanência do inverno, enquanto fazia sangrar meus quadris ao som distante das Disritmias alteradas pela fúria do álcool e do gozo, mas foi nos nossos poemas e planos não concretizados que o encontrei com seus tristes olhos de natal. Penso se algum dia serei capaz de arrancar as ervas daninhas que lhe cravei nas entranhas para proteger (a todos nós) da nossa louca imaginação. Imagino que não.
Procurei o Deus menino para dizer que nós nunca sabemos as razões pelas quais somos amados e isso dói mais do que não saber por quais razões amamos. O amor, Deus menino, não pode ser explicado, (nem mesmo através de uma carta contemporânea enviada a algum jovem Werther). O amor é como um absinto, um risco, um mergulho infinito no nosso instinto, no primitivo, na carne, no avesso, na imaginação, o amor é sangue e improviso, o amor é tango. E acho que foi por isso, Deus Menino, que prolongamos, quase até a morte, nossa brincadeira de roleta russa, alternando balas de Tânatus e Eros no revólver imaginário que apontamos para nossos crânios, naquilo que você chamou de louca e premeditada peregrinação do destino por bares e hotéis baratos em busca de qualquer coisa que nós não sabíamos muito bem o que era.
Mas não há fim sem começo, Deus Menino, como não há Deus sem menino e nem menino sem Deus. O amor é um dogma sem sentido, um axioma, uma mentira verdadeira cravada na pedra repleta de hera de outras eras e se eu pudesse, sozinha, abater Cronos e paralisar o tempo para perpetuar nossa luz de novembro com uma polaroide, se eu pudesse fazer com que as flores voltassem para a terra, as crianças para o ventre, a chuva para as nuvens e os pássaros para os ovos, eu o faria, mas os pássaros voam, assim como os ovos se quebram, a chuva cai e as crianças crescem enquanto as flores nascem, porque o amor é movimento, é uma busca desesperada e inútil por qualquer coisa capaz de colorir a vida ou de prolongar o ar.
Como vê Deus Menino, tenho pensado em você, tenho pensado nessa porta que não vai abrir nunca mais, tenho pensado na mistura involuntária que fizemos entre nossa própria essência e nossa voz, nessas reminiscências mornas que persistem em nossas línguas mortas, nessa tatuagem de cadeia que desenhamos com estilete na face irada de Psiquê, no lado escuro da lua, no nosso próprio lado B, nas nossas múltiplas despedidas, tenho pensado principalmente no não dito (É claro que te amei), mas agora é tarde e eu não direi, porque nós não somos piedosos, porque nós nunca seremos piedosos, porque você não precisa de piedade.

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