Fotografia
de Edward Weston.
Não sei como dizer-te que cem ideias dentro de mim, te
procuram.
Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada.
Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada.
Procurei o Deus-Menino nas lembranças embaraçadas do
meu coração incinerado de vampira solar, revoltada com a permanência do
inverno, enquanto fazia sangrar meus quadris ao som distante das Disritmias
alteradas pela fúria do álcool e do gozo, mas foi nos nossos poemas e planos
não concretizados que o encontrei com seus tristes olhos de natal. Penso se
algum dia serei capaz de arrancar as ervas daninhas que lhe cravei nas
entranhas para proteger (a todos nós) da nossa louca imaginação. Imagino que
não.
Procurei o Deus menino para dizer que nós nunca
sabemos as razões pelas quais somos amados e isso dói mais do que não saber por
quais razões amamos. O amor, Deus menino, não pode ser explicado, (nem mesmo
através de uma carta contemporânea enviada a algum jovem Werther). O amor é
como um absinto, um risco, um mergulho infinito no nosso instinto, no
primitivo, na carne, no avesso, na imaginação, o amor é sangue e improviso, o
amor é tango. E acho que foi por isso, Deus Menino, que prolongamos, quase até
a morte, nossa brincadeira de roleta russa, alternando balas de Tânatus e Eros
no revólver imaginário que apontamos para nossos crânios, naquilo que você
chamou de louca e premeditada peregrinação do destino por bares e hotéis
baratos em busca de qualquer coisa que nós não sabíamos muito bem o que era.
Mas não há fim sem começo, Deus Menino, como não há
Deus sem menino e nem menino sem Deus. O amor é um dogma sem sentido, um
axioma, uma mentira verdadeira cravada na pedra repleta de hera de outras eras
e se eu pudesse, sozinha, abater Cronos e paralisar o tempo para perpetuar
nossa luz de novembro com uma polaroide, se eu pudesse fazer com que as flores
voltassem para a terra, as crianças para o ventre, a chuva para as nuvens e os
pássaros para os ovos, eu o faria, mas os pássaros voam, assim como os ovos se
quebram, a chuva cai e as crianças crescem enquanto as flores nascem, porque o
amor é movimento, é uma busca desesperada e inútil por qualquer coisa capaz de
colorir a vida ou de prolongar o ar.
Como vê Deus Menino, tenho pensado em você, tenho
pensado nessa porta que não vai abrir nunca mais, tenho pensado na mistura
involuntária que fizemos entre nossa própria essência e nossa voz, nessas
reminiscências mornas que persistem em nossas línguas mortas, nessa tatuagem de
cadeia que desenhamos com estilete na face irada de Psiquê, no lado escuro da
lua, no nosso próprio lado B, nas nossas múltiplas despedidas, tenho pensado
principalmente no não dito (É claro que te amei), mas agora é tarde e eu não
direi, porque nós não somos piedosos, porque nós nunca seremos piedosos, porque
você não precisa de piedade.