Paraíso Tropical
Era
meio dia quando Josef subiu no navio. A viagem havia sido longa e ele que, até
então, nunca tinha visto o mar, só teve tempo de sentir um empurrão. Quase
caiu, mas não precisou olhar para trás para saber de quem era aquela mão pesada
que o segurou. Nunca tinha visto tanta gente junta, mas talvez aquilo não fosse
novidade para o pai e era sempre o pai que mandava. Gostaria de ter ouvido uma
voz dizendo: Olha Josef, agora vamos viajar muitos dias e você vai ter
tempo de sobra para apreciar a paisagem, mas quando se deu conta o pai já
havia sumido da fila e ele só viu as irmãs, o irmão e a mãe. Antes do navio
eles viajaram três dias, direto dos campos da Hungria para a capital da antiga
Iugoslávia. Onze irmãos, cinco vivos. A
vida é difícil, a mãe suspirava toda vez que jogava um corpo na carroça
enquanto o pai murmurava: Um a menos.
Toda
essa viagem se resumia a isso, uma vida mais fácil: Passagens de terceira
classe para outro mundo e pouca bagagem. A mãe segurava Sofía que ainda não
podia se segurar enquanto o pai informava balbuciando que eles iam para a
Argentina. Agora ele se lembrava. O pai tinha voltado e dito apenas: tudo certo. Devia ter ido acertar os
papéis, as dívidas. Para ele aquilo parecia ser muito caro, mas se perguntasse
pelo dinheiro apanharia. Tinha ouvido o pai dizer para a mãe que comeriam no
navio e sentiu dor de estômago, um dia sem comer, água, só a que a mãe pegou da
bica e ofereceu ao primogênito, como uma sina, o que sobrou.
No
cais (palavra que ele só conheceu depois) tinha gente de tudo quanto é tipo com
coisas que ele nunca tinha visto: mulheres elegantes, saias coloridas e comidas
estranhas. O embarque demorou. Primeiro as pessoas cheirosas com suas grandes
malas e frutas. Depois, o baixo clero da tripulação e, por último, eles, os da
terceira classe que uma voz anônima chamou. Ele ouviu que a viagem ia demorar
muito, vários dias e se assustou: Será que tinha sopa para todos aqueles que se
espremiam? O pai achou um canto e colocou ali as poucas coisas e as cobertas.
Eles não teriam cama, descobriu, e o colchão improvisado era para a mãe e as
meninas, que juntas já não cabiam. O pai, André e ele dormiriam no chão: porque a vida é dura.
Ele
não queria sentar e ficou debruçado na beira do navio olhando a cidade sumir
enquanto o pai picava fumo e André não fazia nada, até parecia que ele tinha nascido ali. As meninas
olhavam tudo, mas eram muito pequenas para enxergar por cima da mureta e ele
pensou que se chovesse as coisas iriam piorar. Um apito soou alto e causou um
silêncio momentâneo enquanto a terra virava mar.
Josef
pensava que aquela terra devia ser boa, porque se não fosse, porque viajar
tanto? Por causa da fome? Mas então, naquele porto mesmo tinha até fonte e
tanta coisa para vender. No campo eles plantavam, mas não comiam, tinha a geada
e tinha o dono da terra e as feiras não tinham mais, tudo por causa da guerra
que aconteceu bem no ano em que ele nasceu e ele achava que era por isso que o
pai não gostava dele e não pôde se alistar... Guerra era aquela que ele tinha todo dia sem procurar.
Já
fazia um tempão que eles estavam ali quando uma sineta tocou e um homem gritou
qualquer coisa. O pai falou então para a mãe levar as crianças e ele se animou,
mas sentiu logo aquele peso no ombro: você
fica aqui pra tomar conta das coisas
comigo, quando eles voltarem nós vamos. Não sobrou quase ninguém no convés
e demorou muito para a mãe voltar e ele ainda pensou em dizer: porque o André não fica? Mas se calou.
Então
eles foram e ele não sabia se aquela sopa tinha ficado velha ou era daquele
jeito e achou que nunca ia descobrir. O pão também era velho e a água barrenta,
mas o pai comeu como se fosse uma benção e ele fez o mesmo. Depois de comer,
ele foi dar uma volta e um homem estranho, que falava uma língua mais estranha
ainda, lhe ofereceu uma banana, ele não sabia o que era, mas aceitou e correu
para bem longe da família, porque se alguém visse, provavelmente não ia sobrar
nada e depois de descascar, como tinha visto e colocar aquilo na boca acreditou
que a vida podia melhorar.
Quando
voltou, o pai não o encarou, o pai só falava o necessário e quando se zangava
batia, ao lado dele parecia que todo o mundo emudecia, até o som da multidão
diminuía, ( isso só lhe ocorria agora) e depois de um silêncio enorme, ele
perguntou se ia ter aquela fruta amarela aonde eles iam e o pai se limitou a
responder: Não sei e se levantou: Cuide da sua mãe e irmãs. A mãe não
disse nada, mas ele sabia que era ela quem cuidava dele. O pai saiu e ela se espremeu para sobrar uma
beirinha de colchão e foi bom para ele descansar, mas a noite começou a passar
e nem o sono nem o pai chegavam e ele se
levantou. Tinha gaita e violão, bebida, rato e dançarina, mas ele não viu o pai
não. Só depois de muito tempo é que o pai voltou, devia estar sem sono como
ele, talvez também se perguntasse se haveria bananas na Argentina, mas abotoou
as calças e dormiu como uma pedra, mal chegou. Ele, quando dormiu, já era
manhãzinha e logo o sino da comida tocou. Chá frio e pão. E assim foi por
muitos dias. A comida e o pai.
Quando chovia,
as mulheres e as crianças iam para o coberto, que não dava para todo mundo e os
homens ficavam no convés, com sorte, com uma lona. Tinha gente que passava mal,
vomitava e a sujeira do lugar se acumulava, às vezes jogavam uma água e
amarravam as pessoas no mastro, que eram perturbadas pelas moscas do oceano,
como as chamavam os marinheiros, mas que, na verdade, também imigravam atrás
das bananas. No começo tinha remédio, depois acabou. Aos poucos, as pessoas se
acostumavam e as que não se acostumavam morriam e eram jogadas no mar e ele
achava até bonito, mas um dia a Sofía acordou com desarranjo, fazia agora um
calor insuportável e seu corpinho também se foi, refrescado pelo mar, um pouco
antes de chegar ao Brasil, conforme ele já tinha descoberto, mas seu pai, como
sempre, não disse nada e ela ficou ali para sempre perdida na fronteira do
nada, enquanto uma vida nova se aproximava com o vento quente do mar...