O Grito - Munch.
INSPIRAÇÃO ARTIFICIAL
Olhos acesos no álcool. O incêndio nos
une e separa. Nada aprendi com o tempo, só com as cinzas, na dissolução das
coisas íntimas. A fúria enovelada em ternura toquei os ombros dos eventos
díspares e em meio ao tumulto deixei os gestos no escuro. Melhor que isso: bebi
a esmo um copo negro de esquecimento.
Contador
Borges.
Aquela
vaca maldita se esticou na cadeira com os dedos enrolados nos cachos idênticos
aos que eu imaginava que ele devia trazer entre as pernas e começou a dizer que
o GRANDE problema é que meu poema era datado, datado, repetia enquanto cruzava
as pernas abertas na tentativa vã de esconder o avesso de uma inexistente
buceta.
E
trazia mesmo, conforme descobri bem antes dela levar embora todos os clichês da
minha vida, além do carro, da televisão, do cachorro e da minha libido,
deixando na casa vazia apenas dois mudos canários amarelos e a típica sensação
rancorosa de quem toma um pé nas vísceras a cada manifestação amigável de
piedade.
Foi nessa mesma manhã chuvosa que
joguei fora todos meus livros de poesia, meus CDs de Bossa Nova, enfim, me
livrei dessas merdas todas e tomei minhas últimas garrafas de vinho. Embriagado,
entrei no chuveiro e escrevi no vapor dos azulejos: Meu pai sim é que era Macho
e imaginei que engraçado seria se meu pai estivesse ali nu e tive uma crise de
riso, mas a crise passou quando lembrei que se meu pai fosse vivo provavelmente
me esbofetearia: Maricas! Gritaria, e
por isso, decidi que nunca mais riria.
Acordei de ressaca. Uma espécie de euforia
tinha tomado conta de mim e a única coisa na qual conseguia me concentrar era
em uma mancha preta que me fitava do teto e ao passar a mão pelo meu pau ereto,
concluí perplexo, que além de estar com o pensamento rimado aquela era minha única amiga. Iniciei os movimentos,
primeiro com cuidado, depois mais rápido, até conseguir acertá-la em cheio,
minha porra respingou por todos os lados e antes de me levantar aliviado, tive
certeza de que ela sorriu.
Verifiquei feliz que o outro canário
havia morrido, agora seríamos só eu e a mancha a me fitar do infinito. Fiz café
e joguei um pouco para ela, como era bom ser casado com uma mancha fria. A
mancha era calma, submissa e não reclamava da sujeira. O telefone tocou, o
chefe da repartição queria saber quando eu voltaria. Dei uma resposta evasiva e
tirei o telefone do gancho para evitar novas interrupções. Arrependido, fui até
o lixo decidido a recuperar os livros de poesia, mas era tarde. Justo agora que
tinha arrumado uma musa. Expliquei a situação para a mancha e pedi que ela não
se chateasse, eu mesmo inventaria versos e cantaria. Peguei papel e caneta e me
deitei na cama, decidido a compor os poemas mais belos de amor que ela já vira,
mas, por mais que me esforçasse, os versos saíam sofríveis e a mancha ria, ria
e ria.
Aquilo virou uma obsessão: Eu acordava
todos os dias às oito horas em ponto com o barulho do despertador, fazia sexo
com a mancha, tomava banho e dividia o café com ela, depois me deitava na cama
e passava o dia na tentativa inútil de rabiscar versos capazes de
impressioná-la e enquanto a mancha indiferente só aumentava de tamanho eu
encolhia, até que, prostrado na cama, sem conseguir elaborar uma única rima
rica, constatei aterrorizado que não conseguia mais me levantar, a Mancha
sorrateira tinha se espalhado por todas as paredes, pelo guarda-roupa e pela
cama, tudo fedia e era impossível decifrar onde começava meu corpo e terminava
o da mancha - tudo era começo e fim. Desesperado, ainda tentei gritar ao ouvir
a campainha, mas a mancha me enfiou uma de suas infinitas tetas na boca e,
embalado, me acalmei lentamente até adormecer.
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